quarta-feira, 23 de novembro de 2011

Arqueologia do Absoluto

A História como construção do Futuro

Quando o ser humano passou a ter uma mentalidade servil? A relação liderança-subverniência existe nos animais? As relações de poder são sinal de evolução ou corrupção?

No mundo animal as relações podem ser tanto violentas quanto solidárias, contudo não se pode dizer que o fenômeno da servidão e escravidão simplesmente tenha surgido espontaneamente. Eles sempre estiveram presentes como uma alternativa ou estratégia, bem ou mal, sucedidas para a perpetuação das espécies, mas não como conseqüência predeterminada de suas causas.

Tomar o passado como base para o futuro é um uso válido do conhecimento da história, mas para a construção deste conhecimento é necessário a abordagem inversa: estudando o passado como se olhássemos para o futuro. Ao assim proceder não apenas conseguimos nos livrar da falsa impressão que o passado não poderia ter sido diferente, mas sobretudo da maldição da predestinação, na qual as possibilidades do futuro são uma ilusão causada pelo desconhecimento de um futuro que a imagem e semelhança do passado já está definido, cabendo a nós apenas descobri-lo e cumpri-lo.

Nada mais enganoso. Não só devemos não olhar o futuro como se fosse o passado, mas passar a estudar o passado como se fosse o futuro, buscando nos inserir nele como se estivéssemos presente. Esse exercício mental jamais nos dará uma perspectiva perfeita do passado, mas nos permitirá entender que aquilo chamado de presente e tido como inexorável, era naquele momento apenas uma entre tantas possibilidades de futuro. E não porque está foi a escolhida que ela era a única alternativa possível.
O passado é inegavelmente linear, mas não é uma cadeia de causas e conseqüências, as causas explicam as conseqüências, mas o fator determinante são as escolhas dos agentes dotados de vontade que atuam não no campo do desconhecido, mas sim no campo daquilo que precisa ainda ser determinado. De modo que as tomadas de decisão do presente, serão as inexoráveis cadeias de causas e conseqüenciais dos observadores futuros.

A história tomada não como descrição de processos lineares reduzidos, mas sim como descrição sistemas complexos não-deterministicos. Por que? ou melhor para que? Entender a historia como o produto de múltiplos processos de tomadas de decisão individuais e coletivas não serve apenas para compreender o passado, serve acima de tudo para conceber que o futuro não é objeto de previsão ou descoberta, mas de construção.

Futuros Encarcerados

A quebra do predeterminismo não é apenas uma questão metodológica, ela é fundamental para compreensão do fenômeno que nos propomos a entender, pois sendo uma manifestação do mesmo, não poderemos compreende-lo sem superar as limitações que a sua estrutura impõe as abordagens para além da sua perspectiva.
Assim tomando a seleção natural não só dos indivíduos, mas dos coletivos enquanto produto de suas escolhas e estratégias frente as possibilidades, o que vamos pretendemos é levantar uma hipótese que poderia servir de princípio para uma Arqueologia do Absoluto, onde se buscaria não apenas por signos de poder, mas símbolos de um culto ao Poder Total.

Relações de poder e violência sempre existiram. O é num dado momento da espécie humana por conta da capacidade de abstração é a concepção do absoluto, enquanto a noção do poder total, que gera as representação atemporais e temporais do Todo Poderoso, respectivamente Deus e o Estado. Gerando sociedades voltadas para o totalitarismo. E estamos ainda de tal forma imersos nesta condição pervertida de nossa humanidade que se quer nos damos conta de que essa idolatria ao absoluto enquanto processo de desinteligência e desumanização será a perda da nossa humanidade.

Se o comportamento de poder e violência existe na natureza como expressão primitiva de brutalidade, isto explica os atos, comportamentos e condições mais primitivos das pessoas, ou mais propriamente as suas características mais desumanas, contudo não explica o surgimento das características que diferenciam o ser humano das demais espécies, pelo contrário, representam claramente uma contradição da natureza humana.

Assim a pergunta que precisa ser feita é como o ser humano apesar de sua brutalidade e animalidade conseguiu desenvolver suas características humanas? Afinal não foi agredindo e atacando que o ser humano desenvolveu sua extraordinária habilidade de comunicação. Nem foi usando armas que consegui desenvolver sua capacidade de entendimento. As características que nos definem enquanto seres humanos e que nos permitiram desenvolver aquilo que denominamos cultura. ou seja desenvolver a inteligência ao invés de mandíbulas e dentes mais afiados é produto de uma estratégia evolutiva a que chamamos inteligência, que na própria origem da palavra significa capacidade de intercomunicação.

Cooperação-Competitiva

Assim a primeira pergunta não é exatamente o que aconteceu com a HUMANIDADE de modo que esta veio a perverter-se, se voltando para animalidade não apenas com uma força inédita mas com uma estupidez sem precedentes entre todos os animais. A pergunta é como o ser humano consegui desenvolver sua humanidade em condições brutais de competição pela vida que jamais cessaram.

Claro que a vida não pode ser reduzida a mera luta violenta pela sobrevivência num mundo de recursos escassos. A abundância também ocorre permitindo o desenvolvimento de novas capacidades. Ademais a cooperação também é uma característica que pode surgir na escassez. Assim como a abundância mediante a concorrência. Relacionar a competição como única estratégia necessária onde existe escassez, relegando a cooperação apenas para situações de abundância é uma falácia tão grande quanto pressupor que a competitividade não possa e deva surgir na abundância e que a cooperação é pelo contrário a melhor estratégia na extrema escassez. De fato pretendemos demonstrar que a evolução humana está baseada na combinação destes dois elementos, cooperação e competição, para formação de uma estratégia complexa. Uma estratégia a qual denominamos cooperação-competitiva, onde a ordem dos fatores altera o produto já que a característica fundamental desta estratégia é a criação de um estado permanente de abundância onde se pode competir pelo desenvolvimento e não pela mera sobrevivência, através da cooperação para manter esse estado.

Baseada na teoria do jogos, temos que a melhor estratégia individual para qualquer jogador é vencer sem quebrar o jogo, o que leva todos competidores a cooperar naquilo que é seu interesse comum: a existência das condições onde existem vencedores e perdedores, e não presas e predadores. Assim na famosa frase “o importante é competir” deve se ler dois princípios:

• Que deve se competir para vencer.
• E que deve se competir cooperando para a própria existência do jogo.
Sendo o ultimo princípio enunciado o primordial a ser respeitado sob pena de não haver lugar para o segundo. Quando os jogadores perdem a noção deste princípio essencial, base da sua inteligência coletiva, o sistema colapsa.

Autonomia

Assim o processo evolutivo humano ocorre a cada ato de renuncia a violência e a brutalidade, em pro da concorrência para atingir um mesmo objetivo, uma relação ao mesmo tempo cooperativa e competitiva. Essa correlação permitiu que o ser humano desenvolvesse uma capacidade inédita de atuação coletiva, conseguindo atuar com unidade e sem contudo perder sua individualidade, isto é, não apenas em união geradora de massas, mas em comunhão formadoras de indivíduos autônomos.

Aliás é dentro da comunhão que estão as condições para o surgimento desta nova noção de individualidade, que escapa da dicotomia primitiva de: ou obedecer a vontade geral; ou viver isolado de todos. de acordo com esta dicotomia, em comunidade o homem é livre das privações naturais, mas prisioneiro da obediência a vontade comum, ou seja, há muita coisa para se fazer, mas poucas são permitidas. Por outro lado, na vida selvagem se é livre da obediência a sociedade, mas prisioneiro das privações inerentes a um ser sozinho, onde se pode fazer o que se quiser, mas não se tem condições de fazer quase nada.

A individualidade é produto destas novas sociedades humanas não baseadas na união pelo medo e a cobrança de obediência, mas das sociedades fundadas na comunhão de interesses e baseadas na liberdade e concordância. De modo que quanto mais evoluída e inteligente é a sociedade maior é capacidade dela não apenas de tolerar as diferenças e diversidade de personalidades e comportamentos, mas aproveitá-los para a geração do bem comum. Assim como a diversidade genética aumenta as chances de sobrevivência de um grupo, a diversidade cultural aumenta as das sociedades.

Liberdade em Rede

Assim a liberdade individual não é produto da segregação ou separação dos indivíduos de uma coletividade, mas do desenvolvimento e afirmação de suas características diversas e particulares que só fazem sentido dentro uma coletividade,isto é, que só se tornam particulares justamente pelo contraste ou relação com as particularidades de todos os demais. O indivíduo emerge, portanto do coletivo como a afirmação de um nodo dentro de uma rede. Fora da rede ele, sem a possibilidade de produzir as conexões ou relações que constituem aquilo que o define, perde sua identidade e na natureza se torna parte do meio, perdendo toda e qualquer possibilidade de apresentar um comportamento diferente daquele que é o necessário para a sua sobrevivência.

Vontade

Via de regra em qualquer estado natural ou artificial onde o indivíduo perde a capacidade de manifestar sua vontade e passa ser governado por causas e conseqüências, ele deixa de ser indivíduo para ser parte do meio. É uma parte do sistema e do seu meio ambiente regida por leis naturais ou artificial que comandam seu comportamento previsível. Afinal dá para se ter uma boa idéia das conseqüência de se chutar uma pedra ou leão, mas ao chutar de um ser dotado com a vontade humana podemos esperar as mais diferentes reações, até mesmo a incrível, e claro rara, não-reação. A vontade, antes de ser uma força criativa, é uma força primordial de toda evolução, através da não-violência e desobediência: A primeira essencial ao desenvolvimento da inteligência; a segunda da liberdade, ambas em conjunto são a base da superação da força bruta e superstição, a transição da fase da ciência para a fase da consciência, isto é, a superação do “eu sei”, para a percepção do “não sei’. A principal diferença cognitiva de uma evolução humana ainda em processo: a capacidade de lidar com sistemas complexos baseados na incerteza.

Da Ciência e Consciência

Ora essa capacidade como qualquer outra não se desenvolve de forma homogênea e para sua emergência será necessário superar primeiro aquilo a que denominamos de culto ao Absoluto que impede que lidemos como múltiplas verdades, ainda que não necessariamente relativas, mas complexas.

O culto nos impede de compreender a realidade enquanto a própria complexidade, que não pode ser reduzida nem aquilo que é atualmente conhecido, nem ao previsto, mas que precisa ser trabalhada cognitivamente tanto com uma quantidade sem fim de elementos desconhecidos a serem descobertos, quanto com os próprios limites epistemológicos tanto da cognição quanto da intelecção, desenvolvida, portanto como sistemas de compreensão capaz de lidar com a realidade sem pressuposições de que conhecemos ou podemos conhecer tudo e o todo, assim como trabalhando também com aquilo que só pode ser conhecido subjetivamente.

Assim a superação da ciência pela consciência que se dá na mente humana precisa ser trazida a realidade para dentro das relações humanas, espelhadas em nossas sociedades. De modo que não sejamos apenas seres dotados de humanidade, mas que convivamos como Humanidade. Se individualmente somos seres inteligentes, coletivamente não passamos ainda da infância da humanidade, se é que vamos sair dela, como comprova nossos sistemas econômicos baseados em psicologia infantil e infantilizante.

Para construir sociedades humanas e inteligentes e finalmente podermos nos definir realmente como Humanidade, precisamos trazer o homem de volta de seu delírio epistemológico de onipotência e onisciência, motivado por seus anseios infantis de imortalidade, mantidos paradoxalmente por uma cultura de guerra e morte. Precisamos por um fim ao esse idolatria ao poder total.

Culto ao absoluto

Assim a segunda pergunta é exatamente quando o mesmo ser que desenvolveu sua humanidade através da não-violência, da desobediência ou inconformismo e sobretudo através da cooperação-competitiva se tornando inteligente e solidário, perdeu a noção de sua essência e não apenas voltou a apresentar um comportamento brutal e violento, mas com níveis de predação e individualismo que jamais poderiam ocorrer em condições primitivas, sob pena de auto-extinção, naquilo que não pode ser mais chamado apenas de brutalidade, mas sim de maldade.

O que praticamente equivale a perguntar quando o homem inventou a Maldade?
Pode-se dizer que a maldade é um ato de estupidez ou violência cometida por um ser que utiliza sua inteligência para promover ações danosas a outros. É estúpida não apenas porque seu uso generalizado implica a longo prazo dentro de uma sistema complexo como a realidade em prejuízo a todos incluso do próprio agente, mas porque conforme demonstramos carece justamente do componente solidário que determina o desenvolvimento da inteligência, fazendo que esse comportamento promova a destruição tanto do sistema quanto o retrocesso do desenvolvimento humano ou inteligente.
Porque fazemos isso? Ou porque constituímos sociedades tão estupidamente egoístas, ou estúpidas?

A Maldade

Não podemos dizer que esse é um estagio necessário a evolução humana. Porque conforme veremos preconceber a evolução como uma linha única já é um produto de valores absolutos.Contudo o culto absoluto ou o totalitarismo é uma armadilha fácil de se cair perante a força da união.

É evidente que o nível de coesão dos grupos e a capacidade destes de atuar como uma unidade ordenada representou uma evidente vantagem evolutiva, pelo simples diferença evidente que existe entre ter um aliado ao invés de um inimigo. Contudo uma unidade antes de se manifestar na realidade precisa existir como uma concepção, e a na concepção desta unidade reside a diferença entre o Bem Comum e o Mal. O bem como uma unidade promovida em harmonia de pluralidade, ou enquanto um sistema de equilíbrio e cooperação da maior diversidade possível. E o mal como a unidade enquanto supremacia da singularidade obtida desde a supressão das diferença até o extermínio dos diferentes. O bem como a força criativa onde o Uno é a multiplicação e diversificação e renovação da existência, Universo. O mal como força destrutiva onde o Uno é obtido por anulação do outro, eliminação do novo e reprodução ou eternalização do mesmo. O Bem, vida e morte, o mal a eternalização do mesmo, mortos-vivos, mumificação, o anseio da juventude eterna e imortalidade.O Bem é a unidade de complexidade e multiplicidade, variedade e diversidade crescentes. O mal a unidade simplificada, reduzida e uniformizada na noção do único, absoluto, e verdadeiro.

A verdade

A verdade enunciada enquanto exclusão de diferentes perspectivas, mas de diferentes percepções, cognição e formas de intelecção, não apenas como correspondência da realidade, mas como única descrição, percepção e pensamento possível para a realidade. Idéia que pretensamente a única não se afirma, e sim demanda a exclusão de todas as demais.

Mas isso não é ilógico? A verdade de A não implica na falsidade ao menos da negação A? Como pode a afirmação e a negação de algo não serem excludentes?

A resposta é: bastando não tomar como a realidade o sistema epistemológico onde algo é afirmado ou negado como a expressão única da realidade. O que não apenas permite que se expresse o mesmo de diferentes formas, mas permite que se componham noções de realidade com uma compreensão da realidade com complexidade proporcional a multiplicidade, variedade e porque não contrariedade de intelecções da verdade, que integradas e não reduzidas formam uma rede de verdades complexas, muito mais próxima do real, conquanto não apenas trabalhe com essa diversidade intelectual mas seja capaz de trabalhar como incógnitas das possibilidades de compreensão não apenas a incerteza, mas o desconhecido. Compondo e ampliando a partir deste processo epistemológico não apenas o conhecimento, mas o própria compreensão do incognoscível.

Os juízos

Contudo o culto ao absoluto não é um produto do raciocínio, mas um sentimento que gera a racionalização da verdade como juízo. A verdade e a falsidade são produto do julgamento, são sentenças promulgadas por uma mente tribunal soberana sobre o que se dá aos seus sentidos de acordo um mundo que a imagem e semelhança do homem também é governado por forças e leis. E o saber passa a se compor como juízo de verdade, superior a própria realidade, negando como prova aquilo que não esta previsto na lei, e negando como real aquilo que a lei não prevê. O saber absoluto se compõe não portanto do reconhecimento daquilo que se conhece e desconhece, mas sobretudo da negação do desconhecido, chamando de Ciência a forma mais absoluta de ignorância. O processo de sistemática negação da descoberta. Não é a toa que a mudança de todo paradigma cientifico é antes uma mudança mais política do que cientifica.

O poder

Na essência do culto ao absoluto está a repressão da liberdade geradora de um estado psicológico de desejo e idolatria ao poder que se dissemina como uma doença. Onde o indivíduo outrora reprimido extravasa sua vontade de ser e realizar no outro que um dia irá compensar sua frustração dentro das mesmas relação de poder.

Como o desejo de poder fora de si, se converte em verdadeira idolatria ao poder?
Essa é uma questão que vale uma reflexão mais profunda. Por aqui nos resumiremos afirmar que o culto ao absoluto é a maior perversão da humanidade e a própria perversão dos valores humanos mais fundamentais: A comunidade pervertida em totalidade. O entendimento em julgamento. A liberdade em poder. Neste mundo a incerteza é confundida com a insegurança. A sabedoria com autoridade. E a proteção com dominação. Produzindo a noção de a vida que não tem um destino predeterminado não é uma vida com sentido. Quando a indeterminação é a própria dádiva da vida, que permite a todo ser dotado de vontade e liberdade para exercê-la decidir qual sentido dará a sua própria vida – oportunidade que é a própria essência e razão da existência. Assim o ser liberto do culto ao absoluto, a fonte de uma angustia existencial da falta de sentido da vida, se torna o indescritível estado de espírito do ser verdadeiramente vivente que busca e cria com toda sua vontade o significado à vida.

Toda a evolução e manifestação material é produto desta decisão. E não há um ser no Universo que não seja produto desta vontade, e nenhuma forma material que não seja a manifestação deste espírito, a Liberdade: o princípio, meio e sentido da vida.

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