segunda-feira, 16 de maio de 2011

Resposta ao Marcelo Maceo

Mano, gostaria de entender melhor um aspecto que, a princípio, de contrapõe a uma rede que não tenha restrições.

Partimos do princípio de que todos os caminhos, conexões, devem unir tudo a todos. Deste modo, o acesso a qualquer tipo de, por exemplo, uma informação, ou um acontecimento etc, é aberto e acessível a todos os nós da rede.

Dessa rede social, fazem parte eu, vc, meus pais, seu avós, meus filhos, sua filha (rs) etc. Ou seja, além de banir as idéias de relação de poder, classes sociais etc., acaba-se também com a restrição de acesso as diferentes faixas etárias.

Fui educado e aprendi por experiência própria que o acesso a determinadas informações, conhecimento, fatos, acontecimento etc, podem não ser saudáveis, por exemplo, a crianças e/ou adolescentes.

O ponto central da discussão envolve o que poderia se chamar de grau de maturidade para lidar com o encontro de certos assuntos ou fatos. Creio que, mesmo sabendo que a idéia que exponho aqui contém elementos próprios do cerceamento da liberdade, é consenso que deixar uma jovem, por livre e espontânea vontade (e não por "acidente") assistir ou participar de um ato de estupro, só pra citar um exemplo, faça com que talvez a falta de maturidade de lidar com aquilo traga sérios prejuízos ao seu desenvolvimento psico-emocional.

Agora, traga o que falei sobre "o acesso a determinadas informações etc" ao lidar com indivíduos que, mesmo adultos, também se mostram imaturos em consciência em alguns ou vários aspectos da vida, de modo que a idéia da informação prejudicial ou não às faixas etárias menores se aplique sem distinção entre todos.

Me ajuda a entender isso e se é possível harmonizar com o que temos estudado?

É claro que estamos num processo de resignificar tudo o que nos envolve e forma as bases de nosso desenvolvimento. Eu tenho feito uma análise de tudo que sei e acredito, tentando dar este "novo olhar' às mesmas coisas. É como o exercício de Baran que, conseguiu para uma mesma estrutrura de elos, nos mostrar 3 formas diferentes de funcionar, rs.

Valeu. Marcelão.

Antes de mais nada quero pedir desculpas por demorar tanto para responder a uma pergunta tão importante, e instigante porque exige mais do que uma quebra de paradigmas estruturais exige uma percepção e reelaboracao do sistema.

Um das maiores limitações da análise de redes formalizadas através dos chamados grafos ou sociomappings é que sua compreensão é meramente estrutural e não sistêmica. Um sistema não deixa de ser uma estrutura, mas não uma estrutura rígida, pois a ele é preciso acrescentar a variável, tempo, que confere movimento e vida a está estrutura que passa a ser, portanto dinâmica.

Uma dos enganos ou simplificações que facilmente caímos quando estudamos redes é nos atermos apenas as estruturas estáticas como os grafos de Baran, e não as estruturas dinâmicas ou sistemas, quando fazemos a transposição para a chamada teia da vida ou o universo real.

Quando Augusto de franco fala em um de seus livros que a única estrutura que verdadeiramente corresponde a rede é a distribuída ele está perfeitamente correto, dentro do plano restrito das estruturas absolutas ou estáticas, conduto no plano real onde nenhuma estrutura é estática, o que caracteriza a realidade é justamente a sua fluidez heraclitiana – “ninguém se banha no mesmo rio duas vezes”.

Se tomarmos então por paradigma os sistemas e não os grafos, a melhor forma de representar a rede é a matrix inserida em um laço de realimentação chamado looping. Neste sentido a rede não tem mais apenas uma estrutura, mas uma lógica ou um fator de evolução que altera suas formas conforme são equacionadas as variáveis que compõe a rede. A complexidade matemática, e infinidade de combinações possíveis desta nova maneira de enxergar as redes corresponde a versatilidade da lógica por traz das evoluções e revoluções da rede, ou mais precisamente ou capacidade de gerar múltiplos resultados não excludentes no tempo nem no espaço, envolvendo portanto simultaneidade e não-linearidade.

A rede torna-se então uma estrutura não mais apenas espacial, mas espaço-temporal. Muito mais adequada para uma aproximação ou simulação de um mudo real, embora jamais correspondente. O grafo não é a rede, nem a matriz é o sistema. Toda realidade virtual é ainda um quadro, ainda que dinâmico e complexo, mas ainda sim tão somente um quadro ou representação conceitual de uma realidade que como é TAO só conseguimos ver as pegadas, ou em termos mais específicos, não pode ser epistemologicamente compreendida em sua totalidade.

Tomando o modelo matricial dinâmico que vamos chamar simplesmente de sistema, podemos ter n configurações estruturais ao longo do tempo, configurações que podem conduzir a destruição dos nós, desconexão, estagnação estrutural (estruturas), multiplicação indefinida de conexões e nós, ou ainda uma variedade de formas (configurações) limitadas tão somente pela dimensão e a lógica do sistema.

Peço atenção especial para a lógica porque é nela que reside a resposta para a sua questão, pois: A LÓGICA EMBORA CONSTITUA UM NUMERO LIMITADO DE MUNDOS POSSÍVEIS, NÃO ESTÁ BLOQUEANDO O ACESSO AOS OUTROS MUNDOS, MAS TORNANDO DISPONÍVEIS TÃO SOMENTE AQUELES QUE VIABILIZA POR SEU MEIO A SUA ELIMINAÇÃO NÃO ABRE NOVAS POSSIBILIDADES, ENCERRA O ACESSO A CONEXÃO. Isto somado ao conceito de liberdade não como obrigatoriedade de abrir possibilidades para tudo ou qualquer coisa, mas como a liberdade de definir a lógica com que você ou a rede irão se interrelacionar, rompe o dilema, mas retornaremos a solução mais a frente, para que ela faca sentido é preciso se estender um pouco mais nos conceitos abstratos.

Por isso também peço paciência, chegarei lá. Retomemos o raciocínio:

Se o sistema for o universo e o universo for ilimitado espacialmente teremos infinitas possibilidades estruturais,e se ele for não for cíclico ou finito temporalmente teremos infinitas possibilidades de configurações e padrões.

Dentro deste paradigma dinâmico a rede perfeita, ou a rede perfeitamente distribuída não é mais a estática de Baran, ou qualquer outra, mas o sistema que comporta todas as estruturas e configurações estruturais e padrões lógicos possíveis a longo do tempo, inclusive as centralizada descentralizadas! a perfeição da rede, em seu sentido literal de completude. Como diria Raul Seixas uma metaformose ambulante.

Podemos ir além, e incluir dentro do elemento lógico que determina a evolução da rede, o fator imprevisibilidade que não é exatamente o mesmo que aleatoriedade, mas mais propriamente de construir realidades logicamente conexas temporalmente, passado presente e futuro e teremos um sistema capaz de assumir não apenas com diferentes estruturas espaciais, configurações temporais, mas múltiplas historias, ou dimensões espaço-temporais e paremos aqui porque a multiplicidade de dimensões entra em outro campo que é o da mecânica quântica, não existem ainda sistemas computacionais ou inteligências artificiais capazes de implementar lógicas autoorganizaveis que imitem a imprevisibilidade não-arbitrária da vida e do universo, e creio já temos uma modelo de rede mais do que suficiente para responder a questão.

Comecemos:

O elemento tempo na equação responde a muitas das duvidas. A união não é propriamente um momento, mas um caminho que só devem unir a todos no infinito, o contrario acabaria com a diversidade e multiplicidade que caracterizam a existência por oposição a inexistência. o UNO que tem lugar no tempo-espaco é absoluto e absoluta na realidade é aquilo que chamamos por inexistência, o nada. Se a rede tenta tomar uma configuração única e absoluta, isto se tenta tomar lugar na historia, seu produto não é o Todo, mas o totalitarismo e destruição. Tudo que existe, existe em diversidade ou autonomia aquilo que não é nada além do mesmo, o meio ou pano de fundo onde os atores ou nodos da rede interagem. Na rede a plataforma. Na vida, o mundo. No Universo, o vácuo.

Claro que diversidade não implica em desigualdade, nem multiplicidade contrariedade ou conflito entre diferentes posições, mas isso é uma outra questão. Vamos voltar a terra, e fazer a correspondência destes dois paradigmas estruturais com as proposições. As conexões não unem o existente, mas afirmam a autonomia de cada nó da rede como ser, e não apenas meio ou plataforma. Ou seja ao contrario do que se vende por ai, a emancipação não se dá pela independência ou ausência de interação com os demais integrantes da rede, mas única e tão somente através dela- confirmando a proposição do educador Paulo Freire que propugna a libertação como produto da interação.

É importante portanto distinguir liberdade de liberalidade e emancipação de solidão.

A falácia liberal consiste em pensar que qualquer forma de relação que se estabelece entre duas partes irá consistir numa relação de poder, simplesmente por que ela se dá de uma determinada forma, numa determinada ordem ou sob uma determinada razão. A relação de poder não se constitui pela desigualdade ou assimetria nas relações, mas pela ação desconstrutiva ou obstrutiva de um desenvolvimento natural de qualquer uma das partes pela: não pela manifestação de vontade concorrentes, mas pela imposição da vontade de um ao outro.

O poder é a manifestação do desejo de afirmação não em si, mas fora de si no outro. O que é saudável e expressão da liberdade e construção da individualidade e autonomia quando dirigida a si mesmo, torna-se ato de poder ou violência quando dirigida não ao outro mas contra ou sobre a vontade do outro. O poder é produto portanto justamente dos danos a pisque causando por atos como você descreveu que geram pela violação da liberdade e portanto dignidade de alguém e consequentemente de todos que interagem ativa ou passivamente para produzir a violência que gera a repressão e frustração que irá envenenar a ânsia por liberdade perventendo-a em desejo de poder, produzindo novas violações e realimentando o ciclo vicioso ou melhor a cadeia da frustração-poder-violencia.

Compreendemos liberdade no sentido político do liberalismo clássico, estar livre de proibições, isto não é nem de longe liberdade, mas liberalidade, o que logicamente também não transmuta a proibição numa medida inteligente ou pedagógica da condução humana. O problema das proibições é que elas além de produzirem o efeito psicológico inverso, dependerem completamente primeiro da coerção e depois da repressão, A proibição é uma espécie de remendo a um sistema ou estrutura construída desde o princípio sem equilíbrio, fluidez ou autoorganização.

Um exemplo que se encaixa com perfeição nas estruturas rígidas de redes que chamam as proibições são as malhas viárias de uma cidade. Quanto maior for a incapacidade de construir uma rede de comunicação que não flua sem choque, mais e mais precisaremos de filtros para regular, proibir e ordenar um fluxo. E quanto maior for a quantidade destes filtros fluxos que controlam ou regulam o fluxo operando ao mesmo tempo maior o congestionamento e a chance de sistema parar. Melhor do que um filtro, é sempre abrir um novo caminho ou conexão. Em outras palavras proibir não é apenas pernicioso é inútil, é preciso construir uma alternativa viável e melhor que as preexistentes ou dadas que tornem o caminho que você não quer seguir, nem quer que as pessoas tomem, obsoleto, e que se feche naturalmente, desaparecendo pelo desuso.

O problema, ou melhor o desafio, é que novos caminhos demandam não apenas vontade, criatividade, inovação. Demandam proatividade, demandam ações e não reações. Demanda a criação de sistemas construídos de forma tão inteligente quanto a vida, que não da forca nem autonomia para um bebe ou uma criança enquanto ela não apreende a utilizá-la. Eis um ponto fundamental a Liberdade é o produto de um processo pedagógico libertário que promove não liberando interagindo para a construção do desenvolvimento humano como liberdade real! O que significa sobretudo gerar dispor e garantir as condições em que a emancipação ou o desenvolvimento da autonomia ocorrem, e isso não se faz de forma passiva, omissa ou liberal, nem em hipótese alguma autoritária, mas sim participativa, e acima de tudo flexível, criativa, alternativa.

Mas fique tranqüilo que não vou parar na condição confortável destes termos ambíguos, se você já não estiver de saco cheio, não vou me omitir na proposição de algumas alternativas, que como o nome já diz, não significam o caminho único, mas apenas um possível, e nunca melhor do que o pensado para cada situação. Como disse o economista, a melhor cor de gravata não é que todo mundo usa, não é a escolhida de acordo com os mais avançados preceitos científicos, não é a que deus mandou usar, nem a que foi decidida pela maioria, nem mesmo por consenso, a melhor cor de gravata é aquele que eu quero usar hoje sem nenhuma obrigação de ter usá-la novamente amanha. Não se esquecendo é claro do mais importante de tudo, a pergunta: PORQUE É QUE EU TENHO QUE USAR A PORRA DUMA GRAVATA?

Porém voltemos mais uma vez a vida como ela é, nem sempre temos capacidade, portunidade, condição, recursos, criatividade, apoio, vontade, enfim liberdade para ser e fazer as coisa como queremos, ou retomando a sua questão num mundo onde a informação não é disponibilizada, mas despejada ou empurrada guela abaixo.

Porque eu pus esta bosta de informação completamente antiética e ilegal em muitos países neste texto? Para demonstrar que não estou acrescentando absolutamente nada a sua liberdade real fazendo isto, pelo contrario constrangendo-o como o faz um mecanismo de pesquisa onde você digita perereca do lado da sua filha e a primeira imagem é digna de um exame do papa Nicolau. Eis a importância do filtro que aumenta meu poder de decisão e conseqüentemente minha liberdade de acessar uma informação apenas quando e se quero, algo que pode se limitar o aceso relacionando estruturas codificadas ou enigmas que somente aquele que tem a capacidade, preparo, experiência ou maturidade suficiente pode responder. E isto sem precisar recorrer a nada, porque a linguagem já esta codificação. Afinal quem não conhece a língua, as palavras empregadas, o estilo, ou mesmo a que realidade o termo se refere não tem a chave apropriada para abrir muitas portas.

Isto é claro pode ser usado como uma estrutura de poder, mas não é uma estrutura de poder em si. Ser analfabeto, ou não falar inglês, por exemplo, se constitui em um impedimento para tudo que é acessado através destas línguas, porém se nada me impede de aprendê-lo se tenho a garantia desta liberdade real e isso é uma condição para meu entendimento e não uma condicionalidade, a violência estaria em me obrigar a aprender uma língua pela força da coerção ou privação e não pelo meu desejo de entende-la.

A diferença é sutil e sistêmica, que não significa que os fins justificam os meios, mas que os meios não podem ser compreendidos fora do sistema ou circunstancias que dão sentido aos atos. E demanda para ser entendido que se explique a diferença de condição e condicionalidade bem como o conceito de liberdade real para fazer sentido?

As condições fazem parte do caminho necessário que uma pessoa precisa percorrer para atingir um determinado fim, tal e qual quando alguém quer atingir o cume de uma montanha, subi-la é uma condição, se não temos outro meio para chegar até lá. Seria uma condicionalidade se impedissemos que se utilize um meio disponível, e novamente uma condição se objetivo não fosse simplesmente estar lá em cima, mas percorrer o caminho até o topo.

Um mestre quando cria desafios ao discípulo para que ele atinja um determinado nível de conhecimento sem o qual este não poderia jamais atingi-lo é um verdadeiro mestre, quando cria os obstáculos que afastam ou retardam o discípulo do conhecimento, é um perfeito filho da puta, para usar um termo técnico. Quando da volta em círculos ou é prolixo como no caso deste texto, cria uma condição desnecessária que configura uma situação não ótima para a leitura deste texto, mas por não se constituir em um impedimento ou obstáculo deliberado, proposital para seu entendimento, como a explicação de um economista sobre a conjuntura econômica, então não é uma condicionalidade geradora de uma relação de poder, porque não desvia o curso do rio para gerar seca ou inundação, nem o fluxo da informação para gerar privação do conhecimento, mas pelo contrário para gerar um fluxo útil ou apreensível destes. Afinal a melhor forma de esconder algo é inseri-lo dentro de uma multidão indistinguível, e de descredibilizar uma informação é misturar fatos e dados considerados absurdos.

Quando restringimos o acesso de um filho pequeno de maneira inteligente, não colocando em um lugar acessível e proibindo-o de usá-lo, mas simplesmente tirando-o de seu alcance ou disponibilizando outros meios, não estamos estabelecendo uma relação de poder. A relação de poder e de conflito nasce justamente quando o filho demanda por uma liberdade a qual ele pensa já tem condições ou deveria ter de desfrutar mas que o pai não lhe cede porque julga que este não tem maturidade ainda para exercê-la, e de fato talvez não a tenha, porem o ponto aqui é que a fase para o desenvolvimento desta foi-se. Agora a relação de tutor tem que começar a desaparecer para que o indivíduo possa se emancipar. Aliás o objetivo do próprio processo educativo a emancipação do indivíduo.

A medida do momento da emancipação é o próprio conflito, ou mais precisamente os danos potenciais que a recusa proporciona ao próprio indivíduo. Daí a importância de não perder o momento, não só no desenvolvimento de cada pessoa, mas no desenvolvimento da sociedade, pois querendo ou não vamos arcar com as conseqüências não apenas das ações, mas também das omissões.

O impedimento ativo e proativo de um ato de violência, não é de modo algum um ato de poder ou violação da liberdade de um ser humano, mas justamente a ação que impede esta violência de se consumar, claro que novamente estamos diante do dilema da ação inteligente e proporcional,mas sobretudo não apenas reativa mas proativa. Eis um dos motivos de eu atuar com tanto entusiasmo na proposição de uma renda básica de cidadania, ela atua neutralizando as condições de privação fontes geradoras da violência e relações de poder.

Porque depois que a circunstancia de conflito se instaura, uma vez deflagradas ou configuradas, já era, não existe mais a solução ótima, mas a possível. Na falta de vias alternativas, taca semáforos, na falta de filtros inteligentes, taca proibições e sobretudo na falta de liberdades reais vai repressão.

A liberdade e a ação pacifica implicam de certo a não-violência, mas esta não é uma situação de passividade nem omissão. Restringir, interromper, ou mesmo forçar fluxos constitui mesmo que preventivamente em ato de violência que vai de encontro a violência ao invés de escapar dela. É desconstrução automática da conexão, conexão que etimologicamente é a ação repleta de nexo ou significado, algo que não se constrói unilateralmente, nem apenas dentro de uma relação, mas dentro da rede que dá significado as inter-relações.

Um exemplo legal é a invenção da estante, não sei se ela foi mesma concebida desta forma, mas dizem que os livros devem ser dispostos em diferentes alturas de acordo com o próprio crescimento da criança. Nada que não possa ser burlado com uma invenção ainda mais antiga a da escada. O que quer dizer que nem sempre funciona em toda e qualquer circunstancia ou para todo mundo. Mas o ponto aqui é outro, temos que colocar os livros de alguma forma, empilhá-los aleatoriamente, jogá-los no chão, ou simplesmente ir largando pelos cantos- meu método favorito enquanto não tinha cachorros- contudo se necessariamente temos que dispor os livros de alguma forma porque não fazê-lo daquela que busca respeitar ao máximo o momento da criança?

A liberdade real é a chave para a entender se estamos construindo conexões com nossas ações e não-ações , ou se pelo contrario com as mesmas estamos destruindo ou deixando destruir a rede. Segue um texto que usei para compor o verbete no dicionário que estava trabalhando pro IATS, embora não seja critico é sintético e conciso, útil aqui:

Por liberdade real entende-se não apenas todo o conjunto de ações que não estão submetidas a proibições ou obrigatoriedades legais, como também o conjunto de ações aos quais o indivíduo não apenas pode, mas consegue de fato fazer ou negar-se, de acordo, com as suas capacidades, incluindo oportunidades e condições para assim proceder. Um exemplo simples e claro da diferença entre estas duas definições de liberdade pode ser dado pela diferença entre não ser proibido de comer, e ter condições de fato para se alimentar, que vão desde saúde, até a renda ou crédito para adquirir seu alimento.

A título de exemplo esquemático, a liberdade no sentido mais amplo desenvolvido seguindo o conceito de capabilities seniano, envolve:

· a liberdade negativa como não ser impedido ou obrigado por um terceiro a passar fome ou ter de comer algo.

· a liberdade positiva ter como comer, ou as condições de fato para alimentar-se de acordo com suas necessidades e vontade.

· a liberdade real que alem de envolver as duas concomitantemente, na abordagem seniana, implicam também em ter a capacidade para alimentar-se de acordo com sua vontade, entendida como expressão não de um desejo compulsivo ou involuntário, mas justamente da condição de agente livre, inclusive de qualquer transtorno obsessivo, compulsivo ou possessivo seu ou de outro ou da coletividade que impeça a pessoa de realizar essa condição.

A liberdade ainda pode ser compreendida de forma ainda mais ampla, como o estado de garantia da liberdade de todas as formas de privação, correspondendo ao estado de erradicação de todas as formas de pobreza, sentido mais próximo dos princípios da sociedade civil e terceiro setor. Neste sentido ser livre ganha a conotação de estar livre de doenças, pobreza, perigos, tornando-se sinônimo de vida em um ambiente seguro ou livre de condições indesejadas. Ou tomando ainda a abordagem seniana de capababilities, o estado de garantia da liberdade de fazer ou não aquilo que se tem por ideal realizar, isto é o estado de garantia das chamadas capabilities. Em outras palavras, o estado de liberdade plena, idêntico ao próprio estado de segurança, expresso não apenas na percepção do viver livre do medo sobre seus meios e condições de vida, mas no próprio estado ou ausência de insegurança ou razoável certeza quanto a garantia de fato da liberdade. Um estado civil de segurança da liberdade, muito mais próximo a percepção contemporânea do estado de direito.

Neste sentido pleno ou sistêmico, esta liberdade quando reiterado condiz ao próprio estado de segurança, entendido como o estado onde o indivíduo está livre do medo, terror ou insegurança; ou mais propriamente onde o indivíduo tem uma razoável confiança de que não apenas ele, mas todos possuem as mesmas liberdades garantidas de fato que lhe permitirão mutuamente respeitar o próprio estado de direito constituído justamente por esta confiança de que há um estado de igualdade ou universalidade de direitos enquanto liberdades reais suficientes à reciprocidade. Nesta acepção a realização da liberdade individual plena depende no grau de liberdade garantido igualmente a cada indivíduo que compõe a sociedade ou a comunidade, ou a disponibilização livre e equitativa deste estado de garantia das liberdades plenas (capabilities) para todos os envolvidos na sociedade integrantes desta ou não, como uma condição universal.

Fundamento a constituição de estados de direitos humanos, esta condição redistributiva e equitativa desta segurança quanto a liberdade é por sua vez fator constitutivo da liberdade como estado de segurança enquanto rede. Liberdade garantida universalmente para a garantia universal da Liberdade.

Neste sentido O estupro é junto com o jejum um dos exemplos extremos ideais para compreendermos as naturezas excludentes da liberdade e poder, ou da vida e violência. O sexo que é uma das maiores fontes de prazer, pode se tornar depois do assassinato a maior fonte de sofrimento e ato de violência ou subtração da vida, não pelo ato em si mas pela falta de consentido. Do mesmo modo a fome que é uma das fontes fisiológicas de sofrimento, pode ser utilizado como fonte de elevação ou satisfação moral para quem pratica o jejum. Isto significa que a violência não está no ato em si mas no respeito ao consentimento de TODAS seus participantes. A ausência de vontade, torna o ato como um todo não a expressão de liberdade, mas de relação de poder daqueles que realizaram seu desejo contra a vontade de alguém. Alias nenhum processo de aprendizagem, e desenvolvimento humano se realiza sem essa liberdade. O ato de violação da vontade muito pior do que impedir alguém de assistir um ato de violência, é obrigá-lo a ter que conviver com ele. Os maiores danos a pisque não estão nãos atos que impedimos, mas justamente nos atos que somos forçados a realizar, participar, assistir ou conviver, seja por imposição direta, coagidos, seja por imposição indireta como quando somos obrigados a respirar um ar poluído porque alguém ganha dinheiro com isso.

Não devemos apenas buscar neutralizar e erradicar todas as circunstancias geradoras das violências como estupro, mas se defrontados com a violência deflagrada intervir diretamente para cessá-la. Dar a outra face significa não ceder a uma provocação ou incitação a violência, e não morrer como gado, sacrificar-se é magnânimo ou estúpido, defender-se e defender com forças proporcionais é quase sempre inútil, mas um direito inaliável. Digo inútil porque a única forma possível de não-violência é a não-omissão não depois mas sempre no antes.

Alias a privação em si, se torna ato de violência justamente pela imposição ou omissão de outros elementos da rede, aqui entendida como a sociedade. A violação da liberdade não está na interação, mas na violência ou omissão perante a violência de outro ou do próprio meio.

Concluindo:

Primeiro: Estamos vivos e o lugar que ocupamos no tempo e espaço não é uma violência ao trajeto pretendido dos outros, pelo contrario abre possibilidades de interação e tomada de decisão inclusive conjunta, o fato de compartilharmos do mundo não resulta em diminuição das nossas liberdades, mas condição sine qua non para o surgimento do fenômeno da vida, e seu desenvolvimento enquanto proporcional a capacidade de decidir, que gera a diferença como disse Capra entre chutar uma pedra e um cachorro, a primeira voa e para de acordo com as leis da física, a segunda eu já não sei.

Segundo: As decisões que tomamos são atos de poder apenas porque interferem na trajetória de vida de outras pessoas sem que esta tenha necessariamente pedido que o fizéssemos. O fato é que nem toda surpresa é negativa, e talvez as melhores coisas da vida sejam mesmo as imprevistas. O que não quer dizer que devamos nos abstrair de exercer plenamente nossas capacidades de ação e interação naquilo que aqui descrevemos como liberdade, e meditarmos até conseguir fazer fotosíntese.

O ponto é: se conduzimos nosso ato conscientemente em direção a promoção da liberdade real de outra pessoa, levando em consideração as ampliações de sua liberdade real e a garantia deste estado de liberdade, estamos dando o significado de libertação ou empoderamento ao ato que tem por sentido a liberdade, mesmo que esse ato venha a criar uma configuração não perfeitamente distribuída do fluxo da informação, ou mesmo estruturas centralizadas.

A ato de contrariedade da liberdade não esta na estrutura da rede em si, mas na imposição, coercitiva ou condicionante de uma determinada estrutura a um indivíduo ou até mesmo a própria rede. Se duas pessoas querem de livre e espontânea vontade realizar um acordo desigual e privado que não interfira na liberdade de um terceiro, tentar impedi-lo é tentar impor sua vontade arbitrariamente, porem se decidirem praticá-lo em público, automaticamente abrem-se para a interferência legitima dos demais que partilham deste espaço comum.

O problema não é um indivíduo centralizar demais as conexões, o problema é produzir essa centralização cortando a conexão dos outros. Se um pessoa atrai espontaneamente a atenção de diversas pessoas, não é exigindo que as pessoas parem de dar atenção a ela, ou que ela se desconecte que ira-se destruir melhor a rede. Em outras palavras uma rede perfeitamente distribuída pode ser resultado de um efeito de poder, se os componentes desta estão forçados de alguma forma a estabelecer e permanecer nessa configuração que não seja uma condição a própria interconectividade.

Uma rede perfeitamente distribuída padece do mesmo mal do comunismo e da anarquia, Do comunismo que na economia, demanda a divisão compulsória daquilo que precisa ser compartilhado voluntariamente. E da anarquia na política, que é a melhor configuração possível depois de todas as outras que cada pessoa tem o direito de escolher livremente.

As redes precisam ser livres e flexíveis para atender as demandas momentâneas. O que em política equivaleria ao conceito de panarquia, a convivência de diversos sistemas políticos ao mesmo tempo e no mesmo território, onde cada indivíduo é livre para entrar e sair de um determinado regime político a qualquer momento conforme sua vontade. Tal e qual já aprendemos a fazer com as diferentes religiões, etnias e nacionalidades num mesmo território pelo menos em grande parte do Brasil.

Se eu sou monarquista não vou tentar dar um golpe na democracia, mas estabelecer meu reino, coroar meu rei e pagar meus tributos a ele, e enquanto eu for mais feliz enquanto súdito, quero continuar seu vassalo. Exatamente como nós homens casado fazemos quando nos casamos, “servimos a quem vence o vencedor.”

Enfim, Marcelão a melhor estrutura é aquela que não necessariamente é dada por uma rede de distribuição perfeita, nem mesmo aquela onde todas as ações tomadas pelos componentes são efetuadas por consenso prévio, mas aquela onde buscamos espontaneamente para aumentar o estado de liberdade como desenvolvimento humano de todos, confiando e tentando inspirar que os outros se imbuam do mesmo propósito e consciência. Liberdade não como dogma, ou arcabouço teórico; como sentido da vida e significado dos atos. Liberdade não como ideologia liberal, mas de uma educação libertária.

Se você quiser aprofundar mais a questão da liberdade, dê uma olhada no capítulos Liberdade e Pedagogia da Inspiração no relatório do Japão, e as justificas teóricas do Banco Social, sobre liberdade real e o dilema do soldado. Dá pra baixar nos sites do ReCivitas. De qualquer forma tenho trabalhado em dois textos sobre este tema que é central, pois é central, e assim que terminá-lo envio pra você, o que não impede que prossigamos com nosso diálogo, pelo contrario ficarei bastante grato por podermos trocarmos mais idéias.

Abraços

Marcus

segunda-feira, 9 de maio de 2011

Comentários às Reflexões sobre Democracia, Capitalismo e Socialismo de Ronaldo Carneiro

Das necessidades básicas

As necessidades básicas enquanto tais são as mesmas, o que diferencia
são as formas mais simples ou elaboradas para satisfazê-las. A pessoa
que tem oportunidade na vida não tem suas necessidades aumentadas, são
as pessoas privadas destas que não tem a oportunidade de desenvolver
suas capacidades plenamente, sobretudo de decidir com liberdade
individual o que são suas necessidades. Liberdade que também não é
plena mesmo para quem adquire um maior poder de compra.

A pergunta é até que ponto esse desejo de compra e consumo corresponde
a uma manifestação da sua vontade? O aumento das necessidades de
consumo estão como Smith salientou e Amartya Sen enfatizou ligados
muito mais as pressões da sociedade como condicionantes à aceitação
pública do que propriamente ligados a necessidades ou mesmos caprichos
pessoais. Contudo é inegável que o surgimento destas novas
necessidades de consumo associadas ao poder de compra estão de fato
inerentemente ligadas ao sistema educacional que as alimenta como as
regras do jogo. Uma educação "bancária" como disse Paulo Freire e que
gera demandas de consumo independente não apenas de necessidades ou
vontades dos indivíduos, mas como uma necessidade de manutenção do
próprio sistema.

Creio que num sistema de valores menos consumista é possível garantir
as necessidades básicas para todos sem que necessariamente mobilizar
grandes montantes de recursos financeiros. Algo que uma educação
desintitucionalizada provida não pelo Estado, mas dentro do mercado de
acordo com a demanda dos pais e não propriamente do Estado e
corporações que se beneficiam e mantém mutuamente sem a menor sombra
de duvida contribuiria.

Da guerra

Dizem que a guerra é um contrato entre dois governos para eliminar
mutuamente seus "excedentes populacionais". Talvez nem sempre chegue a
tanto, mas não há dúvidas que a origem da guerra e a toda violência ou
extermínio sistematizado está nos estados. Contudo o que mantém a
guerra hoje não é mais apenas a insanidade totalitária dos governos,
mas a necessidade econômica das complexo militar industrial formados a
partir destes em dar vazão a sua produção, fomentando conflitos que
atendam sua oferta e saída para suas mercadorias. Sem contar é claro a
pressão dos que grupos que financiam os Estados e mesmo quando se
atinge o limite tributário, continua demandando por receita, gerada
não mais dentro do território, mas fora através uma prática tão ou
mais antiga que a tributação, a pilhagem, mãe da guerra e no fundo
ainda sua motivação mais fundamental.

A paz ou o estado de paz se produz pela neutralização das condições
geradoras ou insufladoras do conflito e arregimentadores de
desesperados para arriscar a vida, a privação e miséria produzidas não
apenas por condições de raridade ou escassez de recursos, mas por
sistemas econômicos que geram ou atribuem valor justamente pela
rarificação ou escassez artificial de produtos.

Da oferta e procura

Se a lei da oferta e procura é inexorável então os indivíduos não são
livres para decidir como produzir ou consumir a medida que para
fazê-lo com sucesso precisam naturalmente ajustar a produção a demanda
e o consumo ao que há disponível. Considerando que a oferta dependente
de quem detém o capital, seja dos meios-de-produção e a demanda de
que, detém o poder de compra, que não por coincidência geralmente são
os mesmos grupos de pessoas, oferta e procura dependem muito mais das
vontades de produção e consumo destes grupos do que propriamente
qualquer lei natural ou artificial.

Evidente que isso não elimina a racionalidade do princípio, mas em
outras economia baseadas em diferentes princípios de valor, como a
economia das dádivas, por exemplo, praticada pelos povos antes do
estabelecimento das chamadas economias políticas. Creio que os
indivíduos devem ser absolutamente livres inclusive para estabelecer
por contratos mútuos seus sistemas monetários de trocas crédito e
valoração dos bens coletivos ou individuais em comum acordo.

Governo

É o bode na sala, o governo garante estados de privação do capital
pelo monopólio da força e da provisão do bem-estar, e depois intervém
para solucionar os problemas criados pela própria interferência deste
monopólio na economia.

O que leva o governo a taxar os setores produtivos é sua necessidade
de manter uma anciente casta ociosa de burocratas e governantes, e o
que permite o governo usar o bem-estar como desculpa para fazê-lo é a
miopia dos setores produtivos em perceber que o capital financeiro é
apenas uma dimensão do capital.

Porém não creio que burocratas ou a classe política esteja
propriamente no topo desta cadeia alimentar, bancos e corporações, se
perpetuam numa relação simbiótica com os governos, estes tributando e
gerando burocracias que impedem a emergência dos concorrentes destes
grupos financeiros e coorporativos privilegiados inclusive com
subsídios, externalizando todos os custos inclusive socioambientais
destas para toda a sociedade produtiva, empresas e trabalhadores e
consumidores.

As necessidades estatais são inventadas por regras econômicas impostas
ou tomadas tacitamente como as bases da economia, desaparecendo a
partir do momento que se mudam os sistemas de valor, do qual derivam
todo o sistema financeiro. Bastando olharmos para o casaco de pele
como um bicho morto no pescoço para falir toda uma indústria.

Entretanto o governo se impõe e impõe seus tributos não apenas por ser
o monopólio da violência, mas com toda anuência ou servidão voluntária
de seus súditos como diria Etiene La Boete. Na ausência de uma
tecnologia social que substituía a necessária redistribuição dos bens
comuns, ou a disponibilização igual dos direitos enquanto liberdades
reais, o governo se perpetua como intermediário na redistribuição
deste bem essencial, não sendo, mas fazendo-se imprescindível a medida
que assume com exclusividade a promoção do bem comum.

O elemento redistributivo é absolutamente necessário, porém não
precisa ser necessariamente efetuado pela ineficiência de um monopólio
coercitivo que quando não atua na incapacidade do mercado de prover
segurança social de forma livre e sustentável simplesmente a produz
pela imposição de regras impeditivas para que este possa fazê-lo, em
outras palavras, fazendo sua reserva monopolista do mercado social.

A Tecnocracia

O tecnocrata não é ideologicamente neutro, ele é ideologicamente
flexível, presta seus serviços tanto a direita quanto a esquerda,
desde que uma ou outra não esteja por baixo, mas por cima.
Tecnicamente se presta a qualquer poder ou a ideologia vigente, o que
não deixa de ser a mais pura expressão da própria ideologia estatal.

Os interesses humanos

As pessoas não estão preocupadas propriamente em aumentar suas rendas,
mas aumentar suas oportunidades em um sistema onde a garantia destas
está condicionada a renda, ou mais precisamente ao capital. O
auto-interesse não se resume a maximização de nenhum bem material, ou
mesmo imaterial como a busca da felicidade. O autointeresse é fenômeno
complexo e subjetivo assumindo tantas formas diversas e contrarias
quanto a diversidade das personalidades e caracteres humanos, sendo
proporcional em número e grau as próprias vontades de cada indivíduo.
Como ressalta Milton Friedman numa interessante passagem de
Capitalismo e Liberdade, o autointeresse humano só converge quando se
desconhece as possibilidades de expressa-lo, o que faz que as pessoas
na medida em que não podem descriminar a liberdade disto ou daquilo
sempre optarão pela maior liberdade indistinta possível. A Liberdade
seria então o ponto de partida comum ou de convergência final do
auto-interesse.

Isto posto minhas objeções ao utilitarismo econômico estão em:
• supor que as finalidades humanas são essencialmente materiais ou econômicas.
• que podem ser todas transformada em mercadorias, bens ou serviços.
• que todos estes bens ou serviços podem ser vendidos e comprados
individualmente.
• E que a liberdade, se resume as escolhas dentro de um mercado.

Há bens que não só é impossível consumir individualmente, como
igualmente impossível impedir que eles não estejam de alguma forma
sendo redistribuídos ou mais precisamente universalizados. Como
ressalta Robert Noziack mesmo nos Estados meramente policiais, se
cumpridores de sua função, de algum modo redistribuem o bem contido em
sua finalidade, a medida que beneficiam igualmente com a provisão de
proteção não só quem paga menos ou quem não paga nada, mas até mesmo
o ladrão- evidentemente depois que este se apossa de seu roubo.

Não podemos comprar segurança em seu sentido de proteção contra a
violência ou mesmo social, sozinhos porque ela não é uma produto nem
um serviço que possa ser prestado com exclusividade a um particular.
Um lugar seguro não é um castelo ou um lugar cercado de muros e
grades, nem propriamente um lugar onde existe um serviço estatal ou
privado pronto a punir, perseguir ou coibir, ou mesmo impedir um ato
de violência, um lugar seguro é o lugar onde aqueles que o habitam não
vêem motivos para temer ou supor a ocorrência da violência.

Algo que não depende de bens materiais ou serviços mas de um estado
constituído pela disposição e condição dos pactuantes para cumprir o
contrato social, um bem público que é produzido não por um produtor
externo, embora o Estado se arrogue tal mérito, mas sim pelos próprios
consumidores deste bem comum, o cidadão. A liberdade aqui não é
produto de uma escolha de mercado, mas o próprio estado de segurança
acerca do direitos enquanto garantia de fato as liberdades reais que
dão lugar ao desenvolvimento natural dos mercados.

Contudo cabe salientar que o fato de o estado civil ou de paz não
poder ser comprado ou vendido não implica logicamente que ele tenha
que ser imposto. Assim como o livre mercado, o estado civil é a
conseqüência natural de uma sociedade livre e pacifica e não da sua
negação ou oposição.

A simples existência da sociedade e a sua formação historicamente
anterior a dos Estados, prova não apenas que o auto-interesse não se
reduz a busca por acumulação e maximização de bens e oportunidades
privadas ou exclusivas, mas de que o ser humano é perfeitamente capaz
de prover de forma auto-suficiente estes bens públicos ou coletivos
livre de toda forma de coerção ou imposição de terceiros.

O ser humano não busca apenas a maximização individual de suas rendas
ou capacidades, mas antes a viabilização das condições que
possibilitam a maximização desta a partir de uma rede ou sociedade
capaz de gerar oportunidades, a sociedade. Isso não contraria de modo
algum seu auto-interesse que depende justamente da pré- existência
deste estado civil, ou melhor, sociedade civil que viabiliza o
florescimento do livre mercado.

Da paz e justiça no campo

A paz se constrói pela não-violência e não podemos recorrer a força
bruta sobretudo estatal seja para a preservação da propriedade, seja
para a tomada ou retomada da posse.
Assim como um sem terra não pode tomar uma propriedade produtiva sem
recorrer a violência, também não pode preservar a sua posse
improdutiva da terra, o posseiro legal ou ilegalmente constituído sem
recorrer igualmente a violência das armas estatais ou privadas.

Posseiro, grileiro ou latifundiário todos mantém a posse de uma
propriedade que antes de poder ser particular é pública não pelas
armas particulares ou não, mas pela anuência da sociedade ou
coletividade que com ou sem armas se constitui sempre em poder de fato
superior, do qual deriva a garantia desse direito, que fora do estado
civil embora fundamental é ainda efêmero.

Sendo a propriedade particular um direito fundamental deveria estar
disponível como oportunidade a todos que queiram fazer uso produtivo
da mesma, não devendo o estado prestar seus serviços nem emprestar sua
força sempre desproporcional para promover a destituição de toda e
qualquer posse produtiva ou o seu uso produtivo, o que equivale a não
proteger garantir por outorga nem repressão nenhuma posse improdutiva.

Antes de tudo porque a ação oposta gera e legitima o conflito e a
deflagração da violência, depois porque nenhum Estado tem moralidade
ou legitimidade para julgar historicamente se a uma aquisição justa,
produtiva nem muito menos pacifica dado que não há Estado que não
compreende em suas fronteiras um território que não tenha sido anexado
ou conquistado pelo procedimento oposto ao justa, produtiva e
pacifica.

Logo não devemos tentar através da força estatal, tentar restituir uma
injustiça que, aliás, não foi produzida pela força de particular, mas
senão pela própria força coletiva enquanto Estado, de certo com sua
anuência. Porém ainda com mais justiça não podemos continuar a
referendar o ato de usurpação que não ficou num passado, mas se faz
presente não apenas em conseqüências, mas ainda em ato enquanto
violação e usurpação reiterada de um bem que para ser particular
precisa ter razão e anuência pública de acordo com a utilidade social
mensurada ou valorada naturalmente por sua produtividade.

Desconsiderando o passado sem com isso deixar de reconhecer o
cabimento de outras reparações a injustiças históricas que estão na
origem do próprio Estado sobretudo na conquista das America;
Dispensando o uso da força de fato, estatal ou privada, para restituir
a justiça; Enfim tendo como base o uso da não-violência; cabe a
sociedade defender que a posse produtiva da terra seja promovida e
mantida. Principalmente porque aquele que de fato carece da terra e
intenção pacifica não carece de armas, bastando apenas ocupá-la para
tomá-la. O contrário nega automaticamente a legitimidade de sua
condição como tal.

Do mesmo modo o proprietário legítimo não tem porque temer uma invasão
pacifica de suas terras dado que estão naturalmente ocupadas e
defendidas pelo uso produtivo. A tomada pacifica de uma terra, não
pode ser reprimida por violência, pela mesma razão que a propriedade
pacifica e produtiva de uma terra não pode ser usurpada nem pela
violência inclusive a estatal. Pela forca da própria coletividade, a
sociedade organizada, tem infindáveis meios mais inteligentes,
produtivos e pacíficos para atingir o mesmo fim sem recorrer a
violência. Que dentro de um mercado livre vão desde o incentivo até o
boicote.

A lógica é simples uma propriedade pacifica e produtiva não pode ser
tomada sem um ato de violência destruindo a sua produção. Assim como a
propriedade improdutiva e mantida pela violência não pode resistir a
uma ocupação pacifica e produtiva sem recorrer igualmente a violência.
O estado deve intervir apenas para findar o ato de violência,
destituindo as armas tanto daqueles que pretendem usá-las para
destruir uma unidade produtiva, quanto daqueles que pretendem manter
uma possessão improdutiva pela força das armas. Sendo a propriedade
num estado civil ou de paz, garantida naturalmente pela própria posse
pacifica e produtiva e identificada justamente por esta.

Quem deseja tomar a posse ou mantê-la se o faz pacificamente
automaticamente procede com justiça. O posseiro toma legitimamente
aquilo que não esta produzindo. E o possessor mantêm legitimamente a
posse simplesmente produzindo. A violência da destruição da produção
para a posse ou sua retomada, ou a manutenção pelas armas de uma posse
improdutiva descaracterizam a propriedade. O direito a propriedade se
garante pela posse socialmente útil da terra. E a posse socialmente
útil da terra garante o direito a propriedade.

A falácia do Social x Econômico

A redução das razões existenciais humanas a mera acumulação material
ou mesmo de possibilidades recursos e oportunidades contidas na renda
incide na própria percepção e valoração dos bens que compõe o capital;
reduzido este apenas a sua dimensão econômico e por vez de forma ainda
mais restrita a financeira, quando não apenas o capital é
multimensional ou social, mas seu valor é determinado pelo grau de
riqueza da rede social em que está inserido- capaz de fazer de um
mendigo ateniense um homem mais rico em oportunidades e capacidades
que qualquer senhores feudal, rico da mais absoluta e abjeta pobreza,
imundice e superstição.

Porém o maior dano desta falácia não é a redução do capital a mero
valor financeiro, ou mesmo a perda de seu valor humano e social; é
acima de tudo a subtração da dimensão pública da economia de livre
mercado, ou sua desapropriação pelo poder estatal. Dividindo-se para
conquistar. Ao cegar não apenas o mercado, mas toda a sociedade para o
valor do bem público ou social, através de um sistema de valores ou
capitais unidimensional, e ao impedir a livre iniciativa e
concorrência na provisão destes bens o Estado cria a circunstancia
para tornar-se seu guia e provedor.

Se assumimos que o ser humano é um agente desinteligente ou meramente
um perseguidor de lucros e interesses individuais completamente
incapaz de ceder voluntariamente ao máximo ganho individual momentâneo
para a criação de bem coletivo que em longo prazo se constitui numa
fonte de lucro individual ainda maior, estamos tacitamente anuindo que
o ser humano é incapaz de prover seu próprio bem e abrindo espaço para
a defesa estatal que o cidadão deve estar submetido a coerção,
constrangimento e imposição de contribuições compulsórias para que se
possa pagar pela produção do seu próprio bem, viver uma sociedade
rica.

Estaríamos simplesmente afirmando que o ser humano é um agente incapaz
de promover seu auto-interesse para além do fugaz, tal e qual o
selvagem descrito por Rousseau que chora a noite a cama que vendeu de
manhã.

Faço questão de contrariar essa falácia autoritária em atos, não só
pagando voluntariamente para redistribuir renda, mas pagando para
trabalhar em sua provisão e garantia. Como testemunho na minha fé na
possibilidade de construção voluntária de uma sociedade solidária que
não esteja presa a condicionalidades estatais nem corporativas.

Desenvolvimento Humano e sustentabilidade Econômica

Nem todos querem ganhar mais, pois essa visão de riqueza atrelada ao
desenvolvimento e acumulação progressiva de capitais materiais dentro
de um mundo com recursos naturais escassos começa dar sinais de seu
conseqüências e a sociedade de entendimento deste esgotamento.

Podemos dizer que hoje mais do que ganhar mais, as pessoas estão
querendo viver mais e melhor, e percebendo que ganhar mais, consumir
mais e trabalhar mais, não significam exatamente aquilo que elas
querem, nem muito menos uma vida melhor. Pelo contrário, começa-se a
perceber que ganha-se em qualidade de vida trabalhando menos,
consumindo menos, e usufruindo mais de preferência não sozinho mas em
comunidade. È uma mudança de valores onde as antigas fontes de valor
perdem espaço para as bocas: Expansão para o equilíbrio.
Verticalização para a horizontalidade, Centralização para a
distribuição; Gigantismo para a mobilidade, acumulação para a
diversificação. Quantidade para a Qualidade.

Mais do que isso, a noção de riqueza e de capital esta se deslocando
da produção de bens materiais para os imateriais ou intelectuais, ou
melhor, a essência do capital (a inovação ou criatividade) está se
tornado mais explicita. De acordo com esta visão a riqueza não se
constitui do trabalho, nem se alavanca com emprego, mas pela
democratização da livre iniciativa, microcrédito, e distribuição de
renda e empreendedorismo social, de modo que sempre haja poder de
compra não apenas para adquirir, mas demandar a maior diversidade
possível de bens com a maior multiplicidade de fornecedores.
Empurrando o sistema não para a mera extração, reprodução, e
acumulação de mais do mesmo, mas para a inovação, criação e
compartilhamento da maior diversidade, multiplicidade e conexões
possíveis, levando a liberdade não apenas para o plano das escolhas de
um mercado, mas da criação de diversos mercados não excludentes nem
necessariamente concorrentes, baseados em diferentes escala de
valoração e valores, onde as redes são o novo paradigma.

O Estado nesta transição não se configura apenas como uma entidade
perniciosa, ineficaz ou autoritária, mas cada vez mais como uma
máquina corporativa monopolista e hierarquista em nítida obsolência:
obrigando ainda caqueticamente que dividamos aquilo que é propriedade
individual, enquanto o que a sociedade renascida reivindica não é a
divisão da propriedade do alheio, mas a liberdade para compartilhar e
por associação multiplicar livremente nenhum outra bem que não sejam
os seus.

Esquerda e Direita

Os fins e meios da esquerda autoritária ou estatal são exatamente os
mesmos que o da direita de mesma matiz, daí que o socialismo
autoritário ou de estado só se separa dos regimes fascistas ou
totalitários de direita não pelos objetivos, mas pelas justificativas
ou melhor desculpas para o exercício autoritário e arbitrário do poder
que no fundo almeja tão somente a sua própria perpetuação enquanto
poder absoluto.

Embora seja mais fã de Diógenes de Sinope que de Alexandre e que seu
atos tenham sido muito mais um capricho de um mimado, do que
propriamente um ato de sabedoria. Creio que devamos cortar cada nó
górdio que nos é imposto. O que, entre escolher entre a esquerda ou a
direita, não significa em hipótese alguma tomar o caminho do meio, ou
centro, mas entre duas vias que nos são impostas não escolher nenhuma,
e sim abrir uma terceira via. Um novo caminho que se não nos levar a
descoberta de nenhum novo mundo, que se não nos levar a lugar nenhum,
que pelo menos não nos leve aos lugares comuns. Afinal as estradas já
abertas só podem nos levar aos lugares já conhecidos, e um mapa que
não conste as utopias é um mapa que não merece ser consultado, porque
omite a rota mais importante do mundo, a do futuro.