O ReCivitas realiza desde 25 de Outubro de 2008 o pagamento de uma renda básica incondicional de trinta reais para a pequena comunidade de Quatinga Velho localizada no distrito rural de Quatinga no município de Mogi das Cruzes, São Paulo, Brasil. O projeto-piloto atende hoje a 90 moradores da localidade. O próprio ReCivitas publicou um primeiro relatório sobre os resultados desta experiência inédita. Pós este, outros estudos internacionais independentes foram realizados; todos atestando o impacto positivo do projeto no desenvolvimento humano e econômico das pessoas atendidas. Resultados modestos, mas concretos e extremamente significativos, com uma relação de custo-benefício e transparência que tem permitido que a organização mantenha o projeto sem nenhum tipo de subsidio governamental ou patrocínio empresarial, ou seja, tão somente com contribuições voluntárias de pessoa para pessoa, atualmente pessoas de mais de 17 diferentes nacionalidades.
De fato o sucesso da experiência não apenas permitiu que o projeto se estendesse por mais dois anos, mas ensejou a criação de um novo modelo de renda básica que não depende da boa ou má vontade de representantes governamentais, de iniciativas político-partidárias, ou sequer de filantropia. E cujo fator determinante para sua continuidade será a eficiência, eficácia, efetividade e claro economicidade na gestão de um negócio social, ético e sustentável, onde a renda básica é provida de forma permanente por um fundo financeiro destinado não apenas para a comunidade de Quatinga Velho, mas para tantas comunidades quanto o rendimento deste fundo permitir atender.
É importante frisar que quando falamos aqui de um modelo de negócios não queremos dizer que encontramos uma forma de transformar a provisão da renda básica num negócio lucrativo, mas tão somente que o modelo desenvolvido permite que a Renda Básica seja provida a partir dos recursos gerados pelo investimento social das pessoas neste bem comum, sem impostos nem doações. Simplificadamente a renda básica será essencialmente provida, justamente por aqueles rendimentos que seriam distribuídos como dividendos para os proprietários e gestores deste negócio social que não tendo fins lucrativos, redistribuem esse rendimento na forma de uma renda básica mensal igual e sem nenhum tipo de discriminação ou exigência para todos os membros das comunidades atendidas pela Renda Básica do Terceiro Setor através do ReCivitas.
Ou seja, estamos falando aqui de um Fundo de Investimento onde a parte do rendimento que caberia ao administrador e ao “dono” do Fundo o ReCivitas, é destinado para provisão da renda básica em comunidades que serão selecionadas segundo a disponibilidade de recursos e conforme critérios objetivos- desenvolvidos a partir da análise critica e comparativa da experiência- via chamamento público.
Com essa tecnologia social poderemos inclusive estabelecer um plano estratégico com metas pragmáticas para a erradicação da miséria, sem desperdício de recursos e efeitos colaterais dos programas de transferência de renda condicionado tais como o Bolsa-Família.
Isso só foi possível graças ao projeto-piloto de Quatinga Velho, e os dados e resultados obtidos através desta experiência. Resultados que nos ajudaram a quebrar preconceitos em relação ao desenvolvimento humano em liberdade, e que, sobretudo nos permitiram encontrar princípios técnicos capazes de embasar o desenvolvimento de um modelo altamente replicável e eficiente para o combate da pobreza através da provisão sustentável de uma renda básica diretamente pela sociedade civil organizada- com redução de custos, desperdícios, e outros vícios inerentes a máquina burocrática estatal.
Isso não exclui o primeiro setor deste processo. Nada impede que o Fundo venha a financiar toda uma municipalidade ou mesmo suas comunidades mais pobres para serem atendidas pelo serviço público municipal. O Fundo apenas não financiará os custos operacionais e administrativos destes, zerando tanto a possibilidade de desvios quanto de desperdício do recurso. Ou seja, fazendo com que o recurso chegue inteiro na mão de quem precisa, sem se perder na burocracia ou nas mãos de intermediários. Eis uma das chaves para o sucesso de Quatinga Velho e da definição de uma máxima eficiência no trato da coisa pública, na qual a contribuição que não volta inteira para a mão do cidadão como bem, serviço ou dinheiro, é custo e não investimento. Esse princípio, aliás, não serve apenas para instancias governamentais, mas para todas as instituições que prestam um serviço de interesse público.
Assim graças às experiências, estudos e as análises críticas efetuadas a partir do projeto-piloto de Quatinga Velho hoje o ReCivitas conta com uma tecnologia social que aliada a processos de geo-refereciamento é capaz de atuar focalizadamente sobre os bolsões de pobreza econômica e política, sem contudo acirrar tensões de classe, descriminar as pessoas pelas suas condições socioeconômica e sobretudo sem gerar relações de poder que distorcem o processo democrático, tanto eleitoral quanto real- valendo-se para tanto de modelos autogestores que priorizam a democracia direta.
A titulo de esclarecimento o Fundo de Investimento aqui relatado está em fase final de revisão e será apresentada a gestora de fundos tendo por meta abrir para os investidores já no início de 2012. Concomitante a abertura do fundo se realizará também a abertura do já citado chamamento público e disponibilização de roteiro e cursos para elaboração de novos projetos para novas comunidades que serão selecionadas através de critérios objetivos constantes do referido chamamento público. O início do pagamento nestas novas comunidades, por sua vez, está ainda programado para o segundo semestre de 2012, e ou primeiro semestre de 2013, conforme a disponibilidade de recursos do Fundo. Mais detalhes por questões de ordem legal só poderão ser dados a partir do fim do tramite burocrático.
Contudo podemos e devemos assinalar e detalhar um pouco mais de nossas atividades deste ano. De forma sintética segue o memorial 2011 com nossas principais atividades. (Tabela Zero)
• Fevereiro: entrega do plano de negócios do projeto BigBank e Fundo de Sustentabilidade para a Credit Suisse Hedging-Griffo.
• Março: entrega do Report para Ritsumeikan University referente às palestras ministradas no Japão.
• Abril abertura da conta de investimento na Hedging-Griffo.
• Maio: Sustentabilidade de QV: são firmados os primeiros compromissos de participação no Fundo cujo capital já cobririam a RB em Quatinga Velho.
• Junho: Visita do Pesquisador Anthony Baert, Louvain University, ao ReCivitas para a publicação do estudo “Experiências de transferência de renda universal”.
• Assinatura de prestação de serviços Pro Bono com o escritório Mattos Filho, Veiga Filho, Marrey Jr, & Quiroga Advogados para a elaboração do Fundo de Sustentabilidade.
• Agosto: ReCivitas declara o apoio a iniciativa de Tollense-Lebenspark na Alemanha para a realização de um projeto-piloto.
• Setembro: estágio de 15 dias do grupo de estudos da RB do Prof. Tadashi Okanouchi, Hosei University, ao ReCivitas.
• Outubro: Primeiro Microcrédito concedido em QV calçado na RBG.
• Apresentação no TEDXBologna, Itália, na categoria Inovador do Futuro.
• Novembro: reunião do ReCivitas, escritório Mattos Filho e Luis D’Amato, gestor voluntário para o Fundo na Hedging-Griffo, onde finalmente se define o caráter jurídico e financeiro do Fundo.
• Dezembro: publicação do “Índice de Eficiência e Eficácia” desenvolvido a partir dos estudos em QV.
• Publicação do relatório de 3 anos da RBG em QV.
Destacamos deste memorial o início das experimentações para o desenvolvimento de novo modelo de microcrédito calçado na renda básica garantida, e os esforços para atingir as metas de sustentabilidade previstas no projeto BIGBank e que resultaram no Fundo de Investimento já citado. Tomamos o testemunho de três estudiosos que puderam presenciar e analisar o produto destes esforços aos quais fazemos questão de citar.
“O projeto é bem pequeno, mas mostra um inacreditável gigantesco potencial e possibilidades para o desenvolvimento social e econômico da comunidade local. Eu ouso dizer que o projeto marca um ponto de virada na Historia Mundial de fome e miséria. Porque na localidade do projeto, nós pudemos finalmente encontrar evidencias empíricas da eficácia de um novo e simples meio para erradicar a pobreza no mundo” por Tadashi Okanouchi.
“O valor de 30 R$ da RBC em Quatinga Velho, apenas é suficiente para ajudar as pessoas a satisfazer as mais básicas necessidades materiais. Especialmente as crianças de Quatinga Velho aproveitam deste benefício. O projeto do ReCivitas conseguiu com o uso de recurso financeiros extremamente limitados, alcançar efeitos sociais significantes. Devem ser enfatizados os impactos positivos para a satisfação das necessidades básicas e para a qualidade de vida dos participantes do projeto. Os resultados permitem concluir que a RBC tem contribuído para o desenvolvimento sustentável em Quatinga Velho. Os efeitos foram convincentes, particularmente na área da asseguração das necessidades básicas, da melhoria da qualidade de vida e da capacitação social” por Mathias Rudolph.
“Além disso, do RBC-QV, aprendemos que, para realmente evoluir de simples transferência de renda universal à RBC, é necessário que o modelo de gestão do programa promova os valores de cidadania.”
“A elegibilidade por reconhecimento mútuo em assembléia é um modelo preferível em comunidades pequenas onde o controle social seja possível. Embora as regras não sejam sempre claras e objetivas, isto justamente permite, por um lado, deliberações e decisões complexas de “caso a caso”, e por outro, uma redução drástica dos custos de legislação e de fiscalização. Além disso, este modelo de determinação da elegibilidade em assembléia se aproxima mais da emancipação política perseguida pela RBC. (...) “Por isso, propomos que o município siga o exemplo do RBC-QV e lance primeiramente um projeto-piloto de, por exemplo, cinco anos, ao invés de um programa genuíno” por Anthony Baert.
Cabendo ainda reconhecer que a experiência de QV foi fundamental no fornecimento de subsídios práticos e teóricos para que os coordenadores pudessem elaborar e inaugurar a matéria de Associativismo e Redes Sociais dentro do IATS, ministrado-as em novo curso de “Aperfeiçoamento de Gestão para o Terceiro Setor”. Além de contribuir para a disseminação e entendimento público do conceito no “Dicionário do Terceiro Setor” com verbetes essencialmente ligados ao tema como Condicionalidades, Liberdade real, e a própria RB.
Embora no âmbito da divulgação e prestação de contas ao público o ReCivitas tenha mantido sua divulgação constante nas redes sociais e sites (tabela 1); e além de ter recebido divulgação espontânea nas seguintes publicações e exposições (tabela 2) , é preciso reconhecer nossa deficiência na comunicação principalmente no âmbito nacional, até mesmo porque todos os esforços da equipe se concentram na manutenção do projeto e constituição do Fundo de Sustentabilidade.
Neste sentido é preciso registrar também, que muito do tempo e esforço despendido e que poderia ter sido economizado, foi perdido para a monstruosa burocracia brasileira, levando até mesmo a cogitar-se que o projeto BIGBANK fosse aberto em países com uma legislação mais avançada e mais propicia as empresas e empreendedores sociais. Alternativa que, aliás, permanece caso os entraves burocráticos e políticos continuem a se constituírem como impedimentos intermináveis e incontornáveis.
Por outro lado é preciso também reconhecer o trabalho e agradecer o apoio de muitos voluntários membros do ReCivitas ou não, que foram fundamentais para os progressos descritos no memorial. Sem citar nomes:
• O primeiro agradecimento é evidentemente para todos doadores que concordaram estender por mais este ano 2010-2011 suas contribuições de modo a que o projeto não se findasse a espera que o poder público um dia venha a pagar a RB ou mais pragmaticamente que o ReCivitas iniciasse o pagamento através do Fundo.
• Depois o agradecimento para os membros do ReCivitas que na medida de suas possibilidades contribuíram com trabalho voluntário para consecução dos projetos e prestação de serviços.
• E enfim um agradecimento mais especial ainda aqueles que mesmo sem serem membros, dedicaram tempo e trabalho voluntário para que pudéssemos abrir novas portas como dentro da Credit Suisse Hedging-Griffo e a partir daí finalmente estarmos dando uma forma mais concreta e viável para a provisão dos projetos via o Fundo de Sustentabilidade.
Esperamos que estas pessoas possam se reconhecer nestes agradecimentos e receber nossa gratidão sem constrangimento.
O ReCivitas encerra neste ano ainda a sua primeira gestão, 2006-2011. Um balanço deste período merece espaço próprio e terá lugar numa publicação programada para 2012, no seu devido tempo, porque a gestão termina com mais realizações que seus idealizadores poderiam imaginar. O trabalho prossegue não só cultivando, mas também já colhendo e compartilhando os primeiros frutos desta gestão. Mais uma vez, não precisamos citar nomes para que aqueles que dedicaram seu tempo, e sua vida possam se reconhecer e aos frutos deste seu trabalho e dedicação. Para estes as próprias realizações nos cinco anos de resistência e persistência que geraram a RB em QV e Fundo de Sustentabilidade, são em si sua maior recompensa.
Obrigado a todos que estiveram conosco na abertura e construção deste novo caminho.
Bruna Augusto Pereira e Marcus Vinicius Brancaglione - ReCivitas
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