“Todo ser humano tem o direito de herdar a riqueza natural e humana legada por nossos antepassados comuns – a família humana. Esta herança universal, direito de gerações presentes e futuras, deverá ser transmitida e renovada de forma periódica e contínua pela sociedade, mediante a provisão garantida de uma capital incondicional para cada indivíduo, jamais inferior ao essencial para a subsistência digna, em um estado de paz, segurança e liberdade. O capital básico para que cada ser humano tenha por toda sua vida e em quaisquer circunstâncias condição e meios para cumprir os deveres e direitos inerentes ao pacto social e preservação da Humanidade.”
Considero as palavras acima expressão dos direitos mais fundamentais do ser humano. Tais palavras não constam da Declaração Universal dos Direitos Humanos, mas seu valor, validade e natureza não são, nem jamais poderão ser determinados pelo mero reconhecimento de Nações, ou muito menos apenas pelas ideias nele contidas.
Como toda e qualquer declaração, seu valor só se determina por seu cumprimento e sua natureza, as verdadeiras intenções, jamais poderão ser lidas no que está escrito, mas sim no que foi e, principalmente, no que continua a ser feito com o que se escreveu.
De uma mentira premeditada, a mais verdadeira ou sincera visão de um futuro a se realizar, a validade da declaração está no que se faz a partir dela. Isto que vale, das mais simples afirmações até as mais importantes declarações de princípios, como os direitos humanos, precisa de muito mais do que reconhecimento, ou Nações, para deixar de serem só palavras, precisa de pessoas dispostas a começar e continuar a colocar estes princípios em prática, dia após dia, sem se iludir ou deixar se enganar de que esses fundamentos possam surgir ou se sustentar sozinhos, ou tão pouco pela força, vigilância ou coerção de terceiros.
Princípios só se tornam fundamentais quando algo real é constituído a partir deles. Isto quer dizer que os direitos humanos só serão os fundamentos de uma nova realidade, quando constituirmos a partir destes direitos, o que só se pode construir com eles: uma Sociedade. Se os direitos humanos ficarão reduzidos a uma simples declaração de intenção, ou se de fato serão os fundamentos universais de uma nova realidade para a sociedade humana, isto é algo que com certeza não se fará por decretos ou resoluções, mas pura e tão somente pelas ações de indivíduos decididos a não esperar mais para colocar em prática estes direitos.
Não. Não serão as Nações Unidas com suas resoluções, nem muito menos as forças armadas de Nações isoladas que farão cumprir os direitos humanos, pelo contrário, serão os seres humanos livres da violência, arbitrariedade e do medo, pessoas naturais repletas do espírito pioneiro dos fundadores das Nações que o farão. Serão estas pessoas reais que de livre e espontânea vontade darão corpo a instituição dos direitos humanos, pondo um fim ao estado primitivo de sua privação.
Porque direitos não são criados por instituições, mas instituições criadas para garantir direitos. Institutos não têm personalidade, caráter, ética ou princípios, nem podem ter responsabilidade ou iniciativa. Instituições não possuem nada, absolutamente nenhuma propriedade ou qualidade além daquelas que atribuímos a elas. Das menores associações até as mais poderosas corporações e Estados, tudo o que têm, toda sua força e poder, não são outro senão aquilo que cada pessoa lhe empresta. Isto não quer dizer que as instituições sejam boas ou más, úteis ou inúteis, apenas lembra o quão ingênuo é acreditar que entes imaginários ―por nós criados e mantidos― façam por nós aquilo que só a vontade e o trabalho de seres reais e humanos pode fazer: dar corpo a estas entidades e lugar para seus representantes.
Cargos e instituições são formados por pessoas e não pessoas por cargos ou instituições. Dentro, ou por trás, de cada instituto não há senão à vontade e à ação de pessoas sob ou para pessoas. Na base de nossas instituições há sempre e tão somente a anuência e o trabalho de cada um de nós. Se as instituições de direitos que aspiramos serão uma realidade, ou continuam a ser ficção, idéias a se realizar, isto será determinado pela nossa ação ou omissão, o produto de nossa força de vontade e decisão e não da de representantes. Representantes não podem decidir por nós nem determinar nossas vontades, simplesmente porque tudo o quê podem fazer é representar decisões.
Representantes não decidem, e se decidem não são representantes. Delegar a responsabilidade da fundação dos direitos humanos a representantes não é, portanto, apenas um ato de alienação, mas um ato nulo, não porque estes não tenham legitimidade para instituídos, mas por uma razão ainda vez mais cabal, eles não detém o poder de fato para fazê-lo.
Ainda que de boa-fé os representantes dos governos das Nações assinassem um pacto para fazer cumprir os direitos humanos, de modo algum este documento corresponderia a sua constituição. Estados, os governos das Nações, não têm autoridade ou poder para firmar pactos sociais porque não têm as faculdades necessárias para cumpri-los. Podem até assumir o compromisso de não violar estes direitos, ou ainda de não impor barreiras para que estes sejam cumpridos, mas o poder de fato para cumpri-los só as pessoas de uma Nação possui, ou melhor, cada indivíduo de toda e qualquer Nação.
Os Direitos Humanos, como toda instituição, só se realizam no seu cumprimento, isto é, pelos atos de quem pode e decide cumpri-los: ninguém menos do que os próprios seres humanos. Pessoas naturais investidas de nenhum outro título ou qualidade além daquele que lhe é inalienável, o de serem humanos. Da parte do Estado o máximo que se pode fazer é coibir, reprimir ou punir quem por ventura venha a violar ou descumprir estes direitos, mas isso não é nem de longe o mesmo que a instituição de Direitos Humanos, nem propriamente o estado de constituição destes direitos.
Estados não constituem sociedades, sociedades constituem Estados para, em princípio, protegê-las. Se outrora, os Estados Modernos foram capazes de cumprir sua finalidade primordial não mais o são, ou melhor, não para os direitos humanos. Estados foram instituídos para proteger antes os direitos do cidadão, para só depois de todos os seres humanos.
O Estado original, constituído tão somente do monopólio da violência, não foi e nem é suficiente para garantir a paz necessária ao desenvolvimento dos Direitos do Homem. Assim como as instituições de proteção e assistência social agregadas a este não fizeram mais do que remediar os conflitos ―meros paliativos―, incapazes de constituir um estado de segurança social básico à preservação dos próprios direito civis. A paz entre nossos Estados Armados nada mais é do que a trégua entre suas guerras. E, tanto se engana quem pensa que as armas são o problema quanto quem pensa que são a solução: a guerra não nasce nem morre pelas armas, mas sim pela superação das condições primitivas de privação, geradoras dos conflitos humanos.
Entretanto a disparidade do nível de desenvolvimento bélico das Nações em relação ao nível de desenvolvimento das suas instituições sociais, não só tornam inviável a instituição de um estado universal de direitos e a Paz Mundial, mas põe em risco a segurança das Nações, até mesmo das mais desenvolvidas. Pois, o poderio das Nações para dar combate em conflitos deflagrados é imenso e avançado, enquanto o poder para neutralizar a fonte geradora dos conflitos é praticamente nulo e obsoleto.
Isto não é uma crítica. Precisamos entender que os Estados simplesmente não foram em sua origem projetados para instituir, garantir ou preservar direitos, de fato sequer foram concebidos para entrar ação em estados de direito, mas sim propriamente em estados de exceção dos direitos. A essência de seu poder é bélico, e suas instituições mais primordiais, aquelas sob os quais se sustentam em última instância todas as demais são armadas: forças armadas criadas para conquistar e manter territórios, dando combate às forças armadas de outras Nações com o mesmo fim, e forças policiais criadas para dissuadir e atacar quem atente contra a vida, propriedade e liberdade dos membros assim protegidos da sociedade. Forças concebidas, portanto, para dar combate a tudo e todos que sejam considerados uma ameaça a sociedade vigente.
Posto nestes termos o Estado pode até parecer ilegítimo, e de fato o é quando usa destas forças para sustentar ou prolongar estados de exceção, mantendo pelas armas sociedades incapazes de se manterem sem elas. Estados armados ou não, só são legítimos quando protegem o estado de direito, que não é outro senão aquele constituído com base na garantia dos direitos, ou seja, hoje a própria sociedade civil, no futuro, a humana.
A constituição de estados de direitos não se faz sob a força das armas, nem tão pouco pela mera deposição das mesmas. A instituição de uma sociedade humana capaz de prover e garantir um verdadeiro estado de direito universal, passa ao largo da extinção ou manutenção de forças armadas ou instituições resguardadas por estas.
E de nada adianta ficar sonhando com antigos estados naturais, livres e pacíficos, porque os estados primitivos são sempre de maior privação, violência, ou, por definição, de luta pela sobrevivência. Nos estados primitivos prevalece a força bruta, nos estados sociais ou civis, a provisão de direitos.
A liberdade do estado natural é tão irreal e efêmera quanto a segurança, uma mera possibilidade abstrata e não uma condição concreta. A verdadeira liberdade e segurança não se realizam naquilo que se pode ou não se pode fazer, em teoria, mas na realidade, naquilo que se têm condições de fato de fazer ou não. Segurança e liberdades reais não se produzem sozinhas, ou por normas, mas por instituições capazes de superar não apenas a brutalidade, mas os estados de insegurança e privação. Somente em estados mais primitivos de brutalidade, a liberdade e segurança competem. Em sociedades baseadas na provisão de direitos, liberdade e segurança formam o sistema de geração de desenvolvimento humano, onde a garantia de liberdades reais produz segurança social e segurança social prevêm um novo patamar para o desenvolvimento de liberdades reais.
A segurança não é proporcional as normas que proíbem ou liberam, mas às liberdades reais que são garantidas a todos. O Estado de Paz, o fim da violência instituída, não surgirá quando banirmos as armas, mas quando estas simplesmente caírem em desuso, se tornando tão obsoletas e inúteis para os seres humanos, quanto ter presas e mandíbulas mais desenvolvidas o foram para nossos ancestrais mais primitivos.
Não teremos paz, enquanto as circunstancias usadas para justificar o uso da violência não forem extintas. Enquanto houver um único ser humano sem outras condições reais além da força bruta para prover livremente sua subsistência, não veremos um fim para a violência. Enquanto houver pessoas desprovidas das condições básicas para deixar de lutar pela sobrevivência e poder passar a competir pela riqueza. Enquanto tivermos pessoas escravizadas pela coerção ou necessidade, enquanto o trabalho for uma obrigação de tantos e não um direito de todos, não poderemos afirmar sem hipocrisia, ou ignorância de causas e consequências, que vivemos na segurança de uma sociedade humana, nem muito menos em uma sociedade livre.
A questão da Paz não se resolve pelo combate ou repressão da violência, nem muito menos pela sua cega negação, mas sim pela neutralização das fontes geradoras dos conflitos. A paz depende da progressiva erradicação das condições primitivas de perigo ou privação da vida e liberdade, da criação de estados onde exista a garantia destes direitos fundamentais a todos os indivíduos. A paz não nascerá dos sistemas de defesa, mas a partir dos sistemas de segurança social.
A Instituição dos Direitos Humanos não será constituída pelos Estados, não apenas porque os governos das Nações não detêm o poder constituinte destes direitos, mas porque somente as pessoas de um Nação, a Nação propriamente dita, em sociedade, têm o poder de fato para realizar este feito.
Estados são instituídos para proteger sociedades, e sociedades para garantir direitos. Antes de Forças armadas ou governos para atuar na exceção do estado de direito, precisamos primeiro do próprio Estado de Direitos Humanos, constituído por sociedades fundamentadas na provisão destes direitos a todos sem discriminação.
Pactos celebrados por representantes de Nações são pactos entre governos, atores políticos, cargos, não pessoas. Somente o pacto realizado entre pessoas naturais tem o poder necessário para constituir direitos de qualquer espécie, principalmente os universais. A instituição dos direitos antes de passar por papéis ou representantes precisa existir de fato nos atos que manifestam a vontade das pessoas, precisa ser real, constituídos nas bases das sociedades, presente nas relações entre as pessoas, para depois poder ser ratificada em cartas e documentos.
Somente o pacto primordial o acordo explicito ou implícito entre pessoas que admitem, respeita e trabalha para que estes direitos sejam providos não apenas para si e seus pares, mas para todos é capaz de fundar a instituição provedora dos direitos: a sociedade.
Os direitos humanos nascerão não apenas das relações de respeito entre seres humanos, mas da ação de cada pessoa das mais diversas nacionalidades para prover esses direitos a todos os seres humanos de todas as nações, independente das distancias geográficas ou culturais que nos separem ou das diferenças entre nossas nações ou governos. Da sociedade formada não apenas da renuncia à violência, mas da renuncia à omissão perante a violência e privação do pacto social entre estas pessoas de paz para prover de fato o direito incondicional e universal à vida e à liberdade, constituir-se-á não apenas um novo estado civil, mas um estado de humanidade capaz de trazer a paz às pessoas e Nações.
Da instituição constituída por estas pessoas repletas do espírito pioneiro dos fundadores das Nações, nascerão os embriões dos sistemas de segurança social universal, os fundamentos de uma verdadeira sociedade humana, suficientemente inteligente para prover o básico a todos sem discriminação, enfim, a sociedade que será manifestação da qualidade que dá nome ao que nós somos: Humanidade.
20 de Abril de 2010
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